Palavra da Cá

Este Blog quer partilhar textos literários e nem tanto com vocês.
Vamos trocar poesias, fragmentos e idéias.
Afinal, as palavras nos justificam, não é?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Sol a Pino

Você caminhava na minha direção sob um sol ardido e difuso adivinhando chuvas. Apertava os olhos contra a claridade e era inevitável mergulhar naquele dois risquinhos azuis, abusadamente luminosos, como estrelas diurnas faiscando a arrogância dos seus vinte e poucos anos.
Você e todos os seus encantos. Sua sensualidade soltando as rédeas em terreno proibido. Essa mistura intrigante de poeta lunar e parque de diversões colorido.
Seu braço descreveu um gesto felino e me surpreendeu pela cintura. Bem ali na linha divisória entre a racionalidade e os desejos.
O primeiro impulso era acatar esse abraço. Permitir-me a inocência atordoada da adolescência. Por um minuto eu queria ser uma menininha indefesa, só pra te namorar. Comer pipoca na matinê das quatro, dormir no seu ombro, te beijar com a gulodice de doces escondidos, apaixonar-me com todos os hormônios das primeiras descobertas.
Mas havia aquela tarde tão cotidiana e pública. Havia placas de proibido pisar na grama e todas essas regras de civilidade. Havia sobretudo um longo aprendizado sobre “cavalos soltos pela cama, a passear o peito de quem ama”.
Pensei: eu poderia te amar. E puxei as rédeas. Aprendera a ser cocheiro; a conduzir as minhas viagens com a serenidade de um coração mais paciente e maduro. Descobrira o encantamento de soltar pipas controlando a linha. Nunca mais perder de vista aqueles pedacinhos de papel de seda coloridos - às vezes nuvens, às vezes chão.
Você era um convite ao vôo cego. Asas poderosas, as suas. Capazes de loucos “loopings” em paisagens desconhecidas, frio na boca do estômago. Tentação.
Falei alguma coisa sobre uma pesquisa na biblioteca. Talvez chovesse. Você estava lindo naquela camisa xadrez cheia de promessas. Seguimos em direções opostas. Uma canção do Tom Waits não me saía da cabeça.

Convite

Quem sabe, um pedaço de festa numa dessas noites quentes, inquietantes?
Quem sabe, no ar, um cheiro de cravo e o barulho sossegado das cigarras?
Ou talvez um atalho com cancela, mata-burro, jasmineiro?
Eu faria com você o caminho do vento – sem nenhuma testemunha amedrontando este segredo; sem nenhuma fresta, ou nó. Sem tempo.
Quem sabe um lapso, um descuido no abraço, um soltar-se vagaroso, morno, quase sem vontade? Um ir andando ao lado sem nada que indicasse.
Sem chegar lá adiante, nem parar de medo?
Você vem comigo?
Você descobre pra mim um pedaço de festa, um caminho de vento?

Mambembe

É essa a chance que nos deu a vida.
Carrossel, trem mambembe, circo colorido de horrores, segredo dos iluminados.
Só quem já embarcou nessa viagem conhece as delícias e as agruras que nos reserva o risco do amor.