Palavra da Cá

Este Blog quer partilhar textos literários e nem tanto com vocês.
Vamos trocar poesias, fragmentos e idéias.
Afinal, as palavras nos justificam, não é?

domingo, 1 de maio de 2011

Tiro

Pendurou a esperança no gatilho e puxou. O estampido era mais seco e menos barulhento do que esperava. E não era que nem os filmes que assistia pela tevê. Era muito mais solitário e assustador. Além disso, não tinha música de fundo.
O corpo do moleque magrinho curvou-se para trás e depois foi desmoronando devagar feito um saco vazio. Tombou. Até que fora fácil. Matara o ladrãozinho - e não se sentia herói. Só mais esperto. Depois levou a arma até a mesa e ficou pensando o que fazer nos próximos minutos. Tentou se lembrar dos filmes e ligou para a polícia.
Tinha 18 anos e queria ser engenheiro, como o pai. O vestibular daqui a alguns meses o assustava mais do que o crime que acabara de cometer. Afinal, guerra é guerra, mas esta se ganhava com rapidez, sangue frio e pontaria. A outra, a do vestibular, era imponderável.
O filme do Bruce Willys não saía da cabeça. Ficou esperando a viatura sentado no degrau da frente. Depois, abriu um saco de Doritos e empanturrou o estômago oco. Mais Coca-Cola.
Para a polícia mais tarde, explicou que o moleque invadira a casa armado e que o pai lhe ensinara a atirar. Fins de semana no sítio, latas vazias, como nos filmes. Só então lembrou do celular da família em férias e contou tudo, primeiro pra irmão mais velho que atendeu lá da praia, depois pro pai que o chamou de “meu herói” e resolveu tudo com o delegado, amigo de pôquer.
A perícia examinou um pouco e depois levou o corpo do moleque sem nome. A vizinhança se alvoroçou, mas evitou intimidades. Foi cada um cuidar da vida.
Viu um pouco de televisão, fez um baita sanduíche e se enfiou outra vez nos livros. Vestibular era guerra pra gente grande.