Palavra da Cá

Este Blog quer partilhar textos literários e nem tanto com vocês.
Vamos trocar poesias, fragmentos e idéias.
Afinal, as palavras nos justificam, não é?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre Páscoas

Quando crianças, adivinhamos orelhas e bigodinhos por trás das moitas do jardim. Depois nos lambuzamos de alegria, certos de que a vida é uma grande surpresa de chocolate a nos acolchoar a alma. Aos poucos, vamos descobrindo que ovos de Páscoa também podem ser vazios, ocos como quase toda ilusão de permanência.
Ovos de chocolate também acabam; desmancham-se, sorvidos pela voracidade e a gulodice da juventude. Às vezes acreditamos que a felicidade se encontra em ovos de Páscoa. Que nada – só um breve instante de viscoso prazer.
Mas existe doçura e gostosura dentro de nós. Nesta alminha esquecida pelos anúncios de publicidade; neste pedaço que não se mostra nas vitrines. É lá que podemos buscar o doce da vida. Em pequenas gotas – como convém aos sábios, aqueles que conhecem a paciência, a delicadeza e a inutilidade das grandes expectativas.

sexta-feira, 6 de março de 2009

O ESTADÃO

Assino o Estadão há décadas, depois da fase Folha. E explico por que: Porque é mais jornal, mais bem feito, com texto e reportagens muito melhores. A Folha, depois da famosa reformulação em que tirou da redação as melhores cabeças do país e colocou nas editorias um monte de focas petulantes, adotou alguns princípios, em minha opinião, no mínimo duvidosos. Um deles, o Manual de Redação que transformou bons textos e estilo em parágrafos milimetrados e pobres, para dizer o mínimo. Quem gosta de bom texto, torce o nariz. E como disse certa vez o grande Alberto Dines, jornal é pra quem gosta de ler. Fazer jornal para agradar a moçadinha que não sabe ler, com 10 retrancas e 5 infográficos por matéria - além de um texto pobre e pouco profundo- é um desrespeito ao velho e bom jornalismo impresso. A televisão e a internet estão aí pra quem engole pílulas rápidas e indolores. Salve a (tímida) volta do jornalismo literário em iniciativas como a Piauí.
Pois bem, com tudo isso, eu andava desanimada com o time de cronistas do Estadão - pesado, redundante, chatinho mesmo. E não é que deram uma chacoalhada na equipe de cronistas e colunistas, com um grupo de tirar o chapéu? Leio-os diariamente com enorme prazer - dos novos, como Antonio Prata, Vanessa Bárbara e Fred Mello Paiva, aos textos maduros e encorpados de Lúcia Guimarães e Milton Hatoun. Isso só pra citar alguns.
Ler essa moçada, principalmente, me dá um novo alento. Esses escritores da geração da minha filha são uma clara demonstração de que há vida inteligente no planeta. E melhor: com outros códigos e uma adrenalina invejável. Parabéns, Estadão.

Goiaba tem bicho

O gemido enjoadinho do gancho da rede no vai e vem da tarde em brasa. Fora isso, silêncio modorrento. Vez em quando, um latido longe, preguiçoso. E nenhum piu de passarinho enfeitando a preguiça.
Lá de cima, a sombra mansa da copa da goiabeira contorna a paisagem, arremata. Espalhada pelo quintal, a velha árvore guarda o cochilo da casa, e mancha que nem onça parda as volutas dos galhos grossos e seguros – ponto de apoio, esconderijo, dente na carne macia, sem medo do bicho. “Bicho de goiaba é goiaba, uai”.
Nem é preciso mais nada, a não ser a adivinhação do tacho lá no fundo, reluzindo ouro no sol da tarde, rasgado nas rebarbas pela pá de madeira mergulhando na polpa madura, buliçosa, escarlate. Tem cheiro esta tarde de goiabeira-goiaba-goiabada. E ele fende as narinas até o coração. Gruda no oco do estômago, antecipando-se doce; alinhava o canteiro de margaridas, o galinheiro, a parede descascada. Nem mesmo o jasmineiro carregado perfuma mais.
Uma alegria danada bulindo os sentidos; pés encardidos, vestido curto, pescoço suado e a certeza absoluta de que os anjos da guarda lá da matriz fogem do altar nestas tardes doces; aqueles gorduchos, lambendo os beiços.
Lá dentro, a cozinha já deve estar limpa e quieta, chão úmido de cera, paninho engomado sobre o fogão. Logo, logo alguém vai bater um bolo, tirar o queijo do guarda-comida e coar café no bule areado. Depois, vai ter burburinho de bocejos e causos em torno da mesa de madeira.
Hora do lanche. Pretexto pra jogar conversa fora, dar risada, implicar.
Na rede sob a goiabeira, estico um pouco mais as frinchas da tarde, prolongo um cochilo fingido até me dobrar de rir com as cócegas e os beijos de vó me chamando.
Não quero virar gente grande, não.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Allen em Barcelona

Olá amiguinhos, mais cinema: fui ver Vick, Cristina, Barcelona, do delicioso Woody Allen e como não poderia deixar de ser ele se torna a cada dia um contador de histórias mais sedutor e eficiente.
As histórias em si são comuns, de gente como nós, que estão aí na vida pra ser feliz, se atropelando, mas tentando, tentando. O jeito de contar uma história, pórém, é que são elas. Este é o segredo de todas as Sherazades, os vocacionados para a narrativa, como é caso do cineasta.
Numa ensolarada e belíssima Barcelona - que ele explora com olhar poético e vibrante-, casais se encontram e desencontram - desta vez com uma pontinha de homenagem a Almodovar, nas cenas pateticamente passionais protagonizadas pela espanhola Penélope Cruz.
Delícia de lavar a alma. Beijos