Palavra da Cá

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

A ERA DO RÁDIO

Minha avó ouvia novelas pela rádio Nacional. Era religioso – tardes suarentas e silenciosas, cortadas pelos dramas soluçantes que reverberavam nos cômodos vazios. Choro, ranger de dentes e Colgate/Palmolive de quebra, na hora do “reclame”. Donzelas, vilões, galãs incitando a imaginação parva e sonolenta das donas de casa.
Heróis e vilões imaginados - ninguém nunca viu o galã ou pressentiu o rosto da heroína. Sabe-se lá se o mocinho era um nanico desdentado, ou a princesa, uma gordota horrorosa? Ouvindo-os, apenas, imaginávamos um mundo idealizado segundo as fantasias de cada um e alimentados por apitos de trens, passos na calçada, bater de portas e pela música orquestrada ao fundo.
O rádio era, então, um móvel de sala. Imenso, alimentado de válvulas e chiados por trás dos quais tentava-se decifrar a empostada voz dos locutores irradiando notícias no Repórter Esso ou transmitindo futebol numa velocidade absurda. Sem contar os programas musicais, quando se aguçava os ouvidos e as emoções ao som de orquestras de jazz.
Foi pelas ondas do rádio que aprendi a ouvir os agudos de Ângela Maria e os malabarismos vocais de Cauby nas intermináveis tardes de verão – cozinha ladrilhada e alguém batendo um bolo.
Dos programas de auditório, guardo uma lembrança pessoal e um tanto nebulosa. Mas não foi sonho, não. De vestidinho de organdi pinicando meus quatro anos, e um descomunal laço de fita na cabeça, me vi num domingo de manhã no palco da rádio local trinando “Ai lili, ai lili, ailô” com um imenso oco no estômago. Vertigem, calor de rachar. Mas a Célia, que cuidava de mim com o desvelo das mães postiças, aplaudia orgulhosíssima na platéia apertada. Nos seus sonhos mais loucos, eu provavelmente me transformaria numa nova Sapoti.
Mal sabia ela que um dia, não muito distante, a era delicada e sonolenta do rádio se despediria de nossas vidas. Assim como os locutores impostados, os galãs imaginados, as orquestras de jazz – a própria Célia, que iria embora junto com a minha infância.

3 comentários:

Osvando Faria disse...

Nossa Cá, lendo seu post me veio à lembrança a única radionovela que segui, que se chamava "Jerônimo, o herói de sertão" Você se lembra? Não sei se era a Rádio Nacional, mas me fascinava acompanhar as aventuras de Jerônimo com a imginação a mil. Melhor do que isto, somente as matinês do cine Roxy, onde também passavam aqueles seriados de faroeste. Ah, que tempos aqueles!

bywagner disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bywagner disse...

Uma viagem que a Carmen nos dá de presente cada vez que escreve algo. Voltei agora ao moderno ano de 1983 quando Older Bernard Cazarré, em Ribeirão Preto quis ressuscitar a radio-novela num projeto audacioso para uma rádio AM local. Tradicional marca da cidade de Ribeirão Preto, não houve apoio que viabilizasse o projeto e ai: Kabong.