Palavra da Cá

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sábado, 17 de abril de 2010

Macarronada à moda de Adélia Prado

Para a mamma, as duas avós, as tantas tias.
Macarronada de domingo. Escandalosa herança peninsular, carregada de aromas, molhos escarlates, densos, fumegando a cozinha de lembranças. Segredos feitos de ervas, condimentos aviados em receitas antigas, orgulho de madonas com olhos carregados de histórias tristes.
Ritual aprendido no pau roliço e ranhurado, esticando a massa até a transparência – “redonda como se fosse feita com compasso”, orgulhava-se minha avó. Névoas de farinha e fervura. Depois arrumar a mesa, acomodar a sua volta os que restam e aguardar os elogios.
Mais tarde quando a casa dorme ou se entrega ao silêncio entumecido da tarde, esfregar os alumínios para faiscarem no sol quente. Lençóis no varal e poesia. Vez em quando, uma torta de maçã. O aroma quente e perfumado espalhando-se pelos cômodos frescos de venezianas e alpendres.
Sentadas em volta dos pontos intrincados de crochê, as mulheres da família acolchoam-se de uma alegria calma, da qual ninguém desconfia. Trocam receitas, às vezes “puxam” o terço ou trinam canções e risadas.
Às vezes se escondem, outras se revelam por trás dos óculos, das ancas, do afeto desmedido, da maledicência, das lembranças. Às vezes felizes, tristes, loucas, caladas. Às vezes cômicas, trágicas, mágicas sempre.

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